Lendo essa matéria pude perceber que grande parte da responsabilidade das habilidades cognitivas e intelectuais do aluno são devido aos fatores ambientais e alimentares, sendo assim, o DNA não é o único fator relevante, como muitos pensam.
Muitas vezes, o aluno sem limites pode ser erradamente diagnosticado como um estudante hiperativo. Para o médico geneticista e pediatra Zan Mustacchi, diretor clínico do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (Cepec-SP) e presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), hoje, na grande maioria dos casos, há um erro de diagnóstico em relação a isso. E para piorar esse cenário, muitos educadores têm dificuldades em lidar com a situação. “Lamentavelmente, o professor deixou de ter autoridade, porque na hora em que começa a impor limite educacional ele é visto como o indivíduo que ultrapassa seus direitos”, explica Mustacchi, que também é responsável pelo Ambulatório de Genética do Hospital Infantil Darcy Vargas (HIDV), em São Paulo (SP). É sobre este e outros assuntos relacionados à genética que trata a entrevista a seguir.
Qual a relação entre o DNA de uma pessoa e sua capacidade de adquirir conhecimento?
Zan Mustacchi: O que se sabe hoje é que existe uma expressão somatória entre a estrutura genética de uma determinada pessoa e fatores ambientais. Isso significa que o ambiente mais a genética se modelam, somam-se e determinam potenciais intelectuais. A última informação e a mais aceita hoje é a condição que nós chamamos de fatores epigenéticos, que são, de fato, a soma de ambiente mais a genética e determinam potenciais individuais, como da inteligência. O termo “epigenético” caracteriza uma somatória de fator genético e ambiental, então exclui a responsabilidade isolada da genética como determinante única das habilidades intelectuais, por exemplo. Antigamente, acreditava-se que a inteligência era nata, ou seja, era geneticamente definida, mas hoje se sabe que isso não é verdade; é a genética mais o ambiente.
Fatores ambientais podem interferir no componente genético das pessoas?
Mustacchi: Eu não diria que “podem” interferir, eu diria que “interferem” com certeza. É bem diferente. O dado mais clássico é que fatores ambientais interferem mais que 50% na determinação de relações que haviam sido vinculadas com determinações genéticas. Sabe-se atualmente que as determinações não são mais exclusivamente genéticas, porque o fator ambiental induz uma mudança em mais de 50% naquilo que se acreditava estar relacionado de forma íntima à genética.
Mas se isolarmos apenas a genética, qual o seu “peso” em relação à inteligência, por exemplo?
Mustacchi: A responsabilidade da genética [nesse caso] é menor que 50%, assim como quando eu falo de estatura, de obesidade e de habilidades de forma geral. Sabe-se que a genética tem uma responsabilidade menor que 50%. No caso da habilidade cognitiva, portanto, a responsabilidade é menor que 50%.
Então, isso significa que a escola tem uma enorme responsabilidade para que o aluno aprenda?
Mustacchi: Com certeza, qualquer pessoa que seja bem estimulada de uma forma correta será favorecida; traduzindo, é exclusiva a responsabilidade do professor em fazer com que esse aluno se habilite.
O estímulo aos sentidos poderia promover uma alteração neurológica a ponto de aumentar a capacidade cognitiva do educando?
Mustacchi: Com certeza, desde que a infraestrutura que sustenta isso esteja adequada, e isso eu traduzo como aspectos nutricional e salutar. Então, se o indivíduo tiver uma boa saúde, envolvendo a condição nutricional adequada, o estímulo dos sentidos tenderá a favorecer a melhor capacitação cognitiva de qualquer aluno.
Mas às vezes a educação peca nesse aspecto? Os docentes poderiam ficar mais atentos ao estímulo dos sentidos durante o ensino-aprendizagem?
Mustacchi: Sim. O professor de inglês, por exemplo, no primeiro dia de aula, ensina “I am, You are, She is”. No fim da aula, ele faz uma prova: verbo “to be” (“eu sou, tu és, ele é”). Qual é o grande problema nisso aí? Esse garoto que está nessa escola – ainda em capacitação, em formação de habilidade linguística do português, da língua pátria, que ele não domina e que ainda está aprendendo a falar corretamente – tem um professor despreparado, que cobra a ele uma gramática de uma língua que ele nem sequer sabe falar. Seria a mesma coisa que você, quando for ensinar o seu filho a falar, dizer: “filho, eu sou, tu és, ele é”. Sabe quando ele vai aprender? Com grande dificuldade, vai demorar muito. Isto é o professor que não quer o aluno aprenda.
Então, como o professor deve proceder?
Mustacchi: Para que a gente possa aprender uma determinada língua é o mesmo modelo para que você aprenda uma língua: falando, cantando e brincando com aquele linguajar. Durante os primeiros três ou quatro anos de escolaridade, o aprendizado de uma segunda língua poderia se restringir a palavras usando modelos que agradam a criança – ela aprenderia, por exemplo, a cantar parabéns em inglês, a cantar músicas que estão tocando no rádio e a traduzir essas palavras.
Não importa o nível de ensino e a disciplina, é sempre importante utilizar atividades lúdicas que estimulem os sentidos?
Mustacchi: É preciso respeitar a habilidade e o limite individual de cada um. Eu vou traduzir: certamente você sabe muito bem como você melhor aprende, se é lendo, escrevendo, desenhando ou ouvindo. Como professor, eu tenho que descobrir como os meus alunos melhor aprendem – um desenhando, outro cantando, outro ouvindo, outro rabiscando e outro lendo. Cada um de nós tem um potencial diferenciado. Então, eu tenho que me preparar como pedagogo, como professor, a primeiramente saber que meu aluno, o indivíduo que eu vou preparar para a vida, tem várias formas de capacitação. E a chave fundamental é habilitar a criatividade do professor, induzir a sua caracterização como indivíduo criativo para poder facilitar a capacitação do seu aluno. Para o aluno cego, por exemplo, eu tenho que ser criativo. Como ensinar marrom para o cego? Fazendo associação com a terra – assim, em qualquer momento que ele tocar a terra ele vai dizer “marrom”. Eu não estou dizendo que é uma coisa fácil, mas é um momento de criatividade, em que o educador precisa criar oportunidades para melhor favorecer o indivíduo com alguma deficiência.
E no caso do estudante com alguma deficiência intelectual, como síndrome de Down?
Mustacchi: Eu tenho aluno com síndrome de Down que aprende melhor com música, tenho aluno com síndrome de Down que aprende melhor com cores, com desenhos, e aluno que aprende muito melhor ouvindo ou fazendo. Então, progressivamente, eu vou escolher qual é a “porta de entrada dele”. Cada pessoa tem um modelo de capacitação, por isso é preciso respeitar o limite do modelo de capacitação de cada um.
Em relação à aprendizagem, até onde o docente pode ir com esse aluno com síndrome de Down?
Mustacchi: Quem determina isso é o aluno, não o professor. Depende da habilidade do docente, infelizmente, porque o limite não existe. Na hora que você põe a palavra “até onde” você está impondo limite, e se você impuser limite é a mesma coisa que eu lhe disser “eu não vou te deixar aprender tal coisa porque você não aprende”. Se eu digo que você não aprende significa que eu não vou lhe dar nem sequer a oportunidade de aprender. Então você restringe. Até onde esse indivíduo vai? Até onde você deixá-lo ir, até onde você der oportunidade para ele chegar.
As universidades precisam melhor preparar os futuros docentes para isso?
Mustacchi: O professor tem que ser habilitado no sentido de informação, de quebrar paradigmas de restrições didáticas. O que significa isso? Geralmente, o educador tem modelos didáticos predefinidos por ocasião da sua formação e capacitação, e esse modelo didático é restrito, não permite uma oportunidade de amplitude de modelos. Então o professor acha que a lousa é o material de trabalho dele; ele pega o giz, a lousa e começa a rabiscar. Está errado. O material de trabalho dele é o aluno, não é a lousa, e ele tem que saber utilizar todos os sentidos e até aqueles que a gente não conhece.
O que é a Nutrigenômica?
Mustacchi: Ela representa um passo que deve mudar muito a condição nutricional da nossa população; é que tipo de alimento é próprio para você para determinada situação ser favorecida. Existem pessoas que têm uma alteração genética e não podem, por exemplo, comer fava – se comerem, elas têm uma baita anemia e uma icterícia, como se fosse uma hepatite grave. Esse indivíduo tem um comprometimento genético que faz com que aquele alimento gere um comprometimento clínico severo. Então, como é que nós vamos diferenciar quem responde a determinadas situações nutricionais e medicamentosas? Isso é Nutrigenômica, é o fator genético que envolve o fator ambiental para ter resultado.
O senhor afirma que a Nutrigenômica evidenciará a importância da individualização e do respeito aos limites, propondo programas com ênfase na capacitação dos modelos educacionais. Fale sobre isso.
Mustacchi: Isso significa o seguinte: no momento em que eu tiver um domínio individualizado – saber que aquele indivíduo, em vez de comer arroz tem que comer mais batata, ou em vez de tomar vitamina C, tem que tomar vitamina B, ou em vez de a ele ser ensinado um “be-a-bá” na lousa, ele tem que escutar música – eu terei um resultado final muito mais satisfatório, mas eu preciso ter o domínio de como criar isso antes. Isso é um futuro muito próximo.
Profissão Mestre: Mas como a escola pode fazer isso? É preciso capacitar a equipe docente?
Mustacchi: Isso não é apenas papel do professor; é o educador mais a ciência. Nós não podemos trabalhar de uma forma isolada, não somos pedaços de pensamentos, temos que nos unir. A importância do docente é justamente que ele passa horas com esse indivíduo, em que ele percebe [o estudante] muito melhor que o médico, que passa poucos minutos com essa criança. Então, o educador tem que perceber, tem que ficar capacitado, tem que notar qual é a atitude desse aluno perante determinados outros educandos, perante determinadas atitudes e refeições.
A nutrição tem um papel importante para o desempenho escolar do aluno?
Mustacchi: A importância nutricional é basal, é o primeiro plano. Primeiro é nutrição, depois é educação e saúde. Mas eu também não posso jamais separar o indivíduo, pois ele é uma estrutura como um todo, que depende da sua relação de lazer, da sua relação amorosa que tem em casa, do índice de quantas pessoas têm na família dele, se é primeiro, segundo ou terceiro filho, o que ele come, se toma café da manhã (e o que ele come no café), como é que ele toma banho, quem conversa com ele, se alguém lê alguma coisa para ele, qual é o programa de TV que assiste, quando vai para o computador e o que ele joga. O fator ambiental é fundamental.
Existe o mito de que se comer muito açúcar e corantes a criança pode ficar hiperativa. Isso é verdade?
Mustacchi: Isso aí é uma mídia que quer modelar atitudes sociais. Essa mídia está vinculada com indústrias que acabam modelando atitudes nutricionais e medicamentosas. Existe também um modismo que confunde falta de limite com hiperatividade.
Então não há uma comprovação científica sobre isso?
Mustacchi: Ainda não há de forma científica, clara e verdadeira [essa comprovação], mas o excesso de açúcar e corantes leva a algumas alterações, ou seja, sem dúvida há grupos que têm esse tipo de reações. Tudo o que você põe na boca pode ser veneno, pode te matar. Até água mata. Como? Afogado, dependendo da dose. Se eu fizer você tomar 40 copos de água, eu te mato afogada. Então, a diferença que existe entre uma dose razoável, satisfatória, e um veneno é a dose. O excesso de açúcar pode gerar uma série de problemas neurológicos, metabólicos e farmacológicos no próprio corpo, que dá desvios de atividade de insulina, atividade pancreática; então, você tem uma série de repercussões por isso.
Muitos alunos são diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)?
Mustacchi: Perdoe-me, mas muito médico ainda não sabe fazer esse diagnóstico. É mais fácil dizer “esse garoto tem déficit de atenção e hiperatividade” do que dizer “não foi lhe imposto limite, a família não soube segurar isso”. Para suprir a sua falta de presença durante o dia, a família libera muita coisa à noite, então esse indivíduo acaba tendo distúrbio de comportamento. Com certeza, o diagnóstico de hiperatividade pediátrica hoje tem, na grande maioria dos casos, um erro de diagnóstico.
E a escola precisa lidar com essa criança sem limites.
Mustacchi: Sim, por isso lhe digo que, lamentavelmente, o professor deixou de ter autoridade, porque na hora em que começa a impor limite educacional ele é visto como o indivíduo que ultrapassa seus direitos. Eu entendo que o professor ainda tem um grande papel de educador e para isso deveria ter uma liberdade de atuar. Ele pode fazer esse papel mesmo com as restrições que existem, mas prefere lavar as mãos e não se preocupar em como resolver esse problema. Ele pensa: “Já que eu não posso me preocupar com isso, então eu deixo esse indivíduo [caracterizado] com uma hiperatividade, um perturbador de ambiente, e não vou investir em tentar saber o que está fazendo com que essa criança tenha esse distúrbio de atitudes sociais. Então, eu lavo as minhas mãos e encaminho esse aluno para um psicólogo”. Ninguém procura ajudar essa criança, a preocupação é em como fazer com que ela fique quieta e não em como ajudá-la.
Entrevista publicada na edição de maio de 2012 da revista Gestão Educacional