Há no Brasil um formato eleito, em 2007, como um dos projetos mais avançados de educação no mundo, em avaliação feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e pela Microsoft.
É uma escola democrática que busca maior participação do estudante e a formação de um indivíduo mais feliz, pronto para viver em sociedade e também para se destacar no mercado de trabalho.
Ricardo Semler.
Colocar um motor de BMW em um fusca velho. Essa é a comparação que o empresário Ricardo Semler faz ao falar sobre
mudanças no sistema de ensino brasileiro. Segundo ele, os métodos atuais precisam ser modificados completamente, usando o conhecimento acumulado pela humanidade para oferecer soluções mais eficazes de educação.
Em palestra realizada no evento Sala Mundo, que aconteceu no segundo semestre de 2011, em Curitiba (PR), Semler afirma que nenhum lugar do mundo está 100% satisfeito com seu sistema educacional e que alunos e professores estão desestimulados com o ensino. Enquanto os docentes perderam o ideal que tinham quando escolheram a profissão, os alunos não querem ficar na escola.
Baseado na ideia grega de educação, Semler criou a escola Lumiar e o método Synapses. Hoje a Lumiar conta com três estabelecimentos: uma escola particular na capital paulista, uma instituição de ensino pública, em parceria com a prefeitura de Santo Antônio do Pinhal (SP), e a Lumiar Internacional, também de Santo Antônio do Pinhal, além do Instituto Lumiar, que são mantidos pela Fundação Ralston-Semler. O formato foi eleito, em 2007, como um dos projetos mais avançados de educação no mundo, em avaliação feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e pela Microsoft. O método propõe a presença de tutores e mestres em substituição ao professor, a transmissão de conteúdos por módulos de aprendizado e oficinas, além de sistema diferenciado de avaliação. É uma escola democrática que busca maior participação do estudante e a formação de um indivíduo mais feliz, pronto para viver em sociedade e também para se destacar no mercado de trabalho. Em entrevista exclusiva à Gestão Educacional, o empresário aborda a experiência da Lumiar e como o modelo Synapses vai ao encontro das necessidades educacionais atuais.
Gestão Educacional: Com a escola Lumiar, que foi fundada em 2003, houve a oportunidade de começar tudo do zero, estabelecendo o modelo Synapses desde o início. Mas como estabelecer essa mudança em uma escola que trabalha, há anos, com o formato de ensino tradicional?
Ricardo Semler: Na escola particular, nós pudemos começar do zero e ter muitas liberdades de implantação, mas na escola pública não foi assim, e a nossa experiência pode responder a essa questão. Chegamos a essa escola municipal em Santo Antônio do Pinhal e já havia um prédio, professores, diretora, alunos, e readequamos todos nesse novo formato de ensino. E fizemos isso de um ano para o outro, iniciando logo no início do ano letivo seguinte, adaptando o conteúdo para ser transmitido no formato Mosaico, que é um modelo personalizado, que busca trazer um enfoque mais local, por tópicos, refletindo as culturas e ideologias nas quais o aluno está inserido.
Gestão Educacional: Então, não é preciso jogar fora o currículo e começar do zero?
Semler: Não. Nós não jogamos fora o currículo que já existia na escola pública, apenas adaptamos o conteúdo no Mosaico. Mesmo no modelo Synapses, nós temos um currículo, com assuntos que devemos transmitir durante o ano letivo, e conseguimos dar conta de todo os PCNs [Parâmetros Curriculares Nacionais], cobrindo todo o conteúdo.
Gestão Educacional: Após as mudanças que foram aplicadas na escola pública, os professores e alunos estranharam o novo modelo de ensino?
Semler: O que eu acredito que houve foi uma sensação de liberdade extraordinária. De repente, os professores perceberam que não precisavam mais exercer aquele papel autoritário e torturante, que não agradava a ninguém. E, é claro, houve uma grata surpresa ao perceberem que os alunos se tornaram cada vez mais ativos e envolvidos nas atividades escolares. Ao conversar com eles, percebe-se algo que não se vê em outras escolas: eles [os educandos] são mais curiosos, participativos e desenvolvem uma maior autoconfiança, principalmente pela participação ativa que têm em sua própria educação. O problema maior que encontramos por lá é em relação aos pais, que têm dificuldades de levar os seus filhos embora da escola, no final do dia.
Gestão Educacional: Desde que eram estudantes, os pais estão acostumados com o modelo de avaliação tradicional, com provas e notas no boletim. Como é a receptividade deles com o formato de avaliação diferenciada da Lumiar, em que o resultado não é medido dessa forma?
Semler: Na verdade, os pais não têm nenhuma rejeição quanto ao sistema avaliativo da Lumiar. Isso porque, em vez de receber uma nota que eles já sabiam que era uma “furada”, eles recebem uma avaliação muito mais completa. É uma verdadeira explicação sobre como o aluno está se desenvolvendo em sala de aula, se está dando conta do conteúdo trabalhado ou não, enfim, é um registro de tudo o que está acontecendo com seu filho. Uma reclamação que recebemos é que não precisamos enviar tanta explicação para os pais, podemos diminuir a quantidade de relatórios.
Gestão Educacional: Se um professor entendeu o conceito, compreendeu a mensagem e os benefícios do modelo Synapses, mas a escola em que trabalha pratica um sistema tradicional de ensino, é possível ele aplicar os princípios isoladamente, dentro de sala de aula?
Semler: Isso varia. Há alguns aspectos do conjunto que ele pode aplicar sozinho, principalmente em relação à transmissão de conteúdo. Sair daquele assunto pré-fixado e sem contexto e encontrar uma forma de melhor aplicá-lo na vida dos alunos. Melhorar essa contextualização do conteúdo para o estudante não é algo tão difícil. O que fazemos na Lumiar é, a cada dois meses, selecionar o tema que será trabalhado no bimestre. É um mesmo tema, que os alunos ajudam a escolher, e que irá contextualizar o currículo. Por exemplo, o tema é Copa do Mundo e, dentro desse assunto, podemos abordar inúmeros conteúdos, como a geometria do campo de futebol, a eletricidade usada para iluminar um jogo, como e por que acontece a câimbra nos atletas, por que a maioria dos jogadores da Holanda é negra, entre muitos outros.
Gestão Educacional: A escola Lumiar atende alunos até os 14 anos. Depois disso, eles precisam ir para uma escola tradicional cursar o ensino médio. Como é essa transição para os alunos, que entrarão no ritmo frenético e competitivo dos estudos para o vestibular?
Semler: Não tem havido problemas na transição de alunos das escolas Lumiar para outras instituições. Do ponto de vista acadêmico, esse estudante não está atrasado e, até mesmo, sente certa diminuição no ritmo de ensino ao qual está acostumado. Mas é inegável que, nesse momento, ele entra em uma “fase cruel” que não vivia até então. Mesmo se ele não precisasse enfrentar isso no ensino médio, ele iria encontrar o sistema na universidade e depois no mercado de trabalho. O vestibular também não é um problema para nossos alunos, pois eles o veem apenas como um obstáculo para algo que querem. Depois que eles descobrem sua vocação, passar no vestibular passa a ser uma meta, um objetivo, e com essa força de vontade, tudo está resolvido.
Gestão Educacional: Outra prática das escolas Lumiar é o momento da Roda, em que os alunos participam, junto com o corpo docente, das decisões da instituição, inclusive em aspectos relacionados a regras de comportamento e conduta. Como explicar a importância disso para crianças de educação infantil?
Semler: As crianças de 4 e 5 anos são perfeitamente capazes de entender a dinâmica da cidadania. Elas lidam muito bem com regras, com mais facilidade e ainda mais cedo do que imaginamos.
Gestão Educacional: Um modelo bastante alternativo que tem se destacado no mundo é a Escola da Ponte, em Portugal, em que não há sala de aula ou separação por faixa etária. Como o senhor observa esse modelo?
Semler: A Escola da Ponte é um modelo interessante que busca oferecer mais liberdade no formato, mas ainda confere muita importância ao conteúdo, da mesma forma que os sistemas tradicionais. Nisso nos diferenciamos. Hoje, a educação tem como desafio ser transformada por completo. Deve-se parar de fazer mudanças ou reformas em um sistema que já é obsoleto e ultrapassado. Como sempre exemplifico, é tentar colocar um motor de BMW em um fusca velho.
Entrevista publicada na edição de janeiro da revista Gestão Educacional.